ZURICH – A nutrição é uma ciência que evolui de acordo com novos estudos. A ciência muitas vezes traz certa contradição, uma vez que a verdade de um momento não é a mesma alguns anos ou décadas mais tarde. Este é o caso das gorduras e do colesterol. Atualmente, mais e mais pesquisadores e especialistas acreditam que a caça aos produtos ricos em gordura e colesterol tem feito mais mal do que bem e isto seria parcialmente responsável pela epidemia de obesidade global. De fato, sabemos que é o açúcar o principal responsável pelo acúmulo de gordura no corpo. Desta forma, o grande vilão não são as gorduras, mas sim os carboidratos, como refrigerantes, doces e sanduíches de pão branco e hambúrgueres.
Um pouco de história: os anos 50
A caça à gordura começou na década de 1950 nos Estados Unidos e mais tarde influenciou o mundo científico e, então, o mundo inteiro. Em 1952, o pesquisador Ancel Benjamin Keys da Universidade de Minnesota (norte dos EUA) publicou um estudo e desenvolveu uma teoria de que a gordura saturada causava mais eventos cardiovasculares, incluindo morte. Segundo ele, quanto mais nós consumimos gordura saturada, maior é o risco de mortalidade.
Em 2015, alguns especialistas em nutrição com alguns estudos põem em questão a visão de “demonização” de gordura. O problema é que as pessoas tentam substituir a gordura por outras coisas, ou seja, as pessoas que tentaram minimizar alimentos ricos em gorduras, são automaticamente levadas a consumir alimentos ricos em açúcar e proteína. Como discutido abaixo, as gorduras saturadas não aumentam notadamente o colesterol, mas, assim como o açúcar, podem levar ao aumento do peso, gerando um dilema. Muitos nutricionistas, com uma visão pragmática, começaram a perceber que a gordura não é o inimigo número 1 da boa saúde e um peso ideal.
De acordo com Nina Teichholz, uma jornalista americana que publicou o best-seller nos EUA “The Big Fat Surprise” (tradução: “A Grande e Gorda Surpresa”): “A ideia de que o consumo de gorduras ruins ou gorduras saturadas leva a doenças cardiovasculares ou complicações não pôde ser comprovada”.
Um grande estudo britânico lançado em março de 2014 lhe dá parcialmente razão. Esta pesquisa mostrou que os ácidos graxos saturados não são tão prejudiciais quanto se pensava anteriormente para o sistema cardiovascular. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido retomaram dados de 72 estudos anteriores, com cerca de 600.000 pessoas em todo o mundo. De acordo com estes cientistas, o consumo de gordura saturada tem pouco impacto sobre o aparecimento de doenças cardiovasculares. Além disso, os pesquisadores mostraram que o ômega-3 e ômega-6 não teriam tantos efeitos benéficos à saúde.
Garantia de ganho de peso
O que levou os pesquisadores a essa mudança de paradigma foi o fato de que o açúcar se transforma em gordura no corpo, enquanto queima menos rapidamente que gordura. Isto quer dizer que o corpo é capaz de queimar mais facilmente a gordura que os açúcares.
Embora o ganho de peso seja complexo, o consumo excessivo de açúcares em comparação com gorduras (lipídios) provavelmente contribuiu para a atual epidemia de obesidade, um fenômeno quase global que não está reservado apenas aos países alta renda. Pode-se dizer que os refrigerantes, hambúrgueres (pão branco) e outros doces são, provavelmente, piores vilões para a saúde global do que as gorduras saturadas.
Um experimento em animais mostrou que aqueles que consumiram 30% ou mais de carboidrato no total de calorias ingeridas por dia aumentaram de peso. Quando os investigadores diminuíram a proporção de carboidratos para 15%, os animais mantiveram o peso.
Menos proibições, mais pragmatismo
Pesquisadores e especialistas em nutrição estão tentando se distanciar dos estudos dos anos 50 de Ancel Benjamin Keys e ter uma visão menos radical que não envolva a proibição total de certos alimentos.
Para esses cientistas, assim como a jornalista Nina Teichholz, temos de começar a comer sem nos sentirmos culpados alimentos como ovos, queijo, manteiga ou carne vermelha, como foi feito antes dos estudos dos anos 50. Estes alimentos são nutritivos e rapidamente dão uma sensação de saciedade, o que ajuda a manter e até perder peso.
O regime ideal: a dieta mediterrânea
O ideal seria adotar uma dieta vegetariana ou uma dieta mediterrânea, isto é rica em frutas, legumes, peixe e gorduras insaturadas a partir de fontes vegetais, tais como azeite. Mas se você for como a maioria das pessoas e gostar de produtos de origem animal, incluindo produtos lácteos, não adianta não comer carne vermelha e beber diversos copos de refrigerante por dia.
Note, porém, que alguns cientistas continuam a criticar o consumo de gorduras saturadas, principalmente de origem animal, uma vez que eles elevam o colesterol LDL (mau colesterol). Entretanto, esse não é o caso de gorduras insaturadas como as de origem vegetal. De acordo com um grupo de peritos do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, o ideal seria a consumir um máximo de 8% de gordura saturada por dia e preferir gorduras insaturadas, como ômega-3 e ômega-6, encontrados em peixes e azeite.
Cuidado com as gorduras trans
Os pesquisadores são unânimes contra o consumo de gorduras trans, isto é ácidos graxos com ligações duplas trans. Pode-se encontrar esse tipo de gordura em produtos industrializados como em algumas margarinas. Estes ácidos graxos podem aumentar o risco de diabetes tipo 2 e certas doenças cardiovasculares. Nos EUA, as gorduras trans são proibidas.
E o colesterol?
O colesterol encontrado nos alimentos não é mais uma ameaça para a saúde humana. No futuro, os alimentos vendidos nos Estados Unidos devem deixar de incluir avisos indicando alto teor de colesterol. Estas novas orientações foram publicadas no dia 19 de fevereiro de 2015 por um órgão público vinculado ao Departamento de Saúde dos Estados Unidos. Até agora, recomenda-se não consumir mais de 300 mg de colesterol por dia, o que corresponde a cerca de 100 gramas de manteiga, 2 ovos pequenos ou bife 300 gr. A ciência está novamente dizendo que pão com manteiga não faz mais mal à saúde.
04 de Maio de 2015. Texto escrito por Matheus Malta de Sá (farmacêutico, USP). Fontes: NZZ, CBSNews, Creapharma.fr. Fotos: © Fotolia.com.