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A causa da síndrome da fadiga crônica poderia estar no intestino e não na cabeça

Confirmada a origem infecciosa da Síndrome da Fadiga CrônicaITHACA (NEW YORK) – Muitos pacientes que sofrem com a síndrome da fadiga crônica (SFC) têm dificuldades em identificá-la em razão do seu sofrimento. Nesta patologia, a fadiga não é reduzida pelo repouso em uma noite bem dormida. As causas continuam insuficientemente conhecidas e o diagnóstico é por vezes lento e complexo. Em uma pesquisa, pesquisadores da Cornell University identificaram marcadores biológicos desta síndrome nas bactérias intestinais e agentes microbianos inflamatórios no sangue. A Criasaude entrevistou em 2016 a Professora Hanson que dirigiu este trabalho de pesquisa (leia abaixo).  

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Novo método de diagnóstico?

Neste estudo, os pesquisadores conseguiram diagnosticar a síndrome da fadiga crônica em 83% dos pacientes, através de exames de fezes e de sangue que possibilitaram o desenvolvimento de um novo método de diagnóstico. Trata-se igualmente de uma etapa importante na compreensão da SFC que deve atingir entre 1 e 4 milhões de pessoas somente nos Estados Unidos.

Sintomas

Confirmada a origem infecciosa da Síndrome da Fadiga CrônicaOs principais sinais da SFC são uma fadiga bem pronunciada durante o dia, falta de concentração, dores de cabeça, distúrbios do sono ou ainda dores musculares. Fala-se de fadiga crônica ou de SFC se os sintomas se manifestarem por mais de 6 meses.

Problemas ao nível das bactérias do microbioma

“Nosso trabalho demonstra que as bactérias intestinais do microbioma (N.R.: outrora denominada microflora) dos pacientes acometidos pela síndrome da fadiga crônica são anormais, levando talvez a sintomas gastrointestinais e inflamatórios nas pessoas portadoras desta síndrome”, afirmou em um comunicado sobre a pesquisa a Professora Maureen Hanson da Cornell University, no Estado de Nova Iorque.

Sem origem psicológica

A Professora Maureen Hanson, principal autora deste estudo, prossegue: “Além disso, a detecção de anormalidades biológicas conduz a novas provas que vão ao encontro deste conceito ridículo segundo o qual esta doença teria origem psicológica”.

Prebióticos e probióticos

Participante desta pesquisa como primeiro autor, o Dr. Ludovic Giloteaux estima: “Futuramente, poderíamos ver esta técnica como complementar a outros métodos de diagnóstico não invasivos, mas se tivermos um melhor entendimento sobre o que ocorre com estas bactérias intestinais e os pacientes, talvez os clínicos possam considerar a hipótese de uma mudança de hábito alimentar, utilizando por exemplo prebióticos como fibras alimentares ou probióticos para curar a doença”.

Bactérias diferentes

Neste estudo, os cientistas recrutaram 48 pessoas diagnosticadas com a síndrome da fadiga crônica (SFC), assim como 39 pessoas sadias a fim de servirem como grupo de controle. Exames de fezes efetuados com os participantes permitiram aos pesquisadores sequenciarem regiões microbianas de DNA para a identificação dos tipos de bactérias. Globalmente, a diversidade de espécies de bactérias estava fortemente reduzida e havia menos espécies bacterianas conhecidas para efeito anti-inflamatório nos pacientes com SFC, comparativamente ao grupo de pacientes sadios, uma observação igualmente constatada em pacientes afetados pela doença de Crohn e por colite ulcerativa.

Bactérias no sangue

Os pesquisadores igualmente descobriram marcadores específicos da inflamação no sangue em pessoas afetadas pela SFC. De acordo com o Dr. Giloteaux, é provável que a origem esteja em um intestino que permita “fugas” bacterianas, posteriormente reencontradas no sangue. Bactérias no sangue podem levar a uma resposta imunológica, o que poderia agravar os sintomas.

O Dr. Giloteaux especifica que eles não sabem ainda se estes distúrbios ao nível do microbioma são a causa ou a consequência da síndrome de fadiga crônica.

Este estudo foi publicado em 23 de junho de 2016, na revista especializada Microbiome. Esta pesquisa foi financiada pelos National Institutes of Health.

Futuramente, os pesquisadores vão tentar trabalhar com maior ênfase nos vírus e fungos situados ao nível do intestino, a fim de determinar se há ou não uma associação com esta síndrome.

A pista infecciosa

Outras universidades trabalham sobre a SFC, tais como a Universidade de Stanford, na Califórnia. Recentemente, o Prof. José Montoya e a sua equipe de Stanford demonstraram uma possível origem infecciosa da síndrome da fadiga crônica. Com efeito, eles observaram em vários pacientes com SFC concentrações anormais de vírus e bactérias no sangue, assim como sinais inflamatórios atípicos. Todavia, os pesquisadores californianos salientam que todos os casos de SFC não estão associados a agentes infecciosos.

Entrevista exclusiva

A Creapharma teve a oportunidade de entrevistar a Professora Maureen R. Hanson, coordenadora desta pesquisa da Cornell University, perguntando-lhe notadamente acerca da relação entre os trabalhos realizados na sua universidade e aqueles levados a cabo pela equipe do Prof. Montoya.

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Criasaude – Quais são as principais descobertas proporcionadas pela sua pesquisa que devemos realçar?
Maureen-Hanson-pic-Creapharma-2016-151x200Prof. Maureen R. Hanson
 – Utilizando os mais recentes métodos do sequenciamento de DNA, percebemos que a composição bacteriana intestinal dos nossos participantes afetados pela síndrome da fadiga crônica (SFS) era diferente, em média, comparativamente com aquela dos participantes da pesquisa em bom estado de saúde. Havia menos tipos de bactérias, ou seja, menor diversidade bacteriana no intestino dos pacientes com SFS que no grupo de indivíduos sadios. Além disso, a quantidade dos diferentes tipos de micróbios difere entre os pacientes e os participantes sadios, de tal sorte que um “perfil” da composição bacteriana que pôde ser traçado, incluindo igualmente biomarcadores sanguíneos, foi capaz de identificar mais de 90% dos pacientes. Os resultados atuais, utilizando uma coorte de 49 pacientes e 39 indivíduos sadios (grupo de controle), permitiram identificar corretamente 83% dos participantes como acometidos pela SFC ou em boas condições de saúde.

Em nosso site Criasaude.com.br, acessível aqui, nós publicamos um artigo no ano passado a propósito de um trabalho realizado pelo Prof. José Montoya, da Universidade de Stanford, na Califórnia. Ele notou que pessoas com SFC apresentavam taxas anormais de bactérias e de vírus no sangue, existe alguma ligação com a sua pesquisa, em particular sobre as bactérias provenientes do intestino?
Na qualidade de médico especialista em SFC, o Dr. Montoya levou a cabo vários estudos intrigantes, nos quais observou melhora em um subconjunto de pacientes afetados pela SFC e tratados com um medicamento antiviral (N.R.: O valganciclovir), conhecido pela sua eficácia contra o vírus herpes. Ele não estudou as bactérias no sangue e, além disso, não mediu quantitativamente a presença dos vírus no sangue. Em lugar disso, ele observou que determinadas pessoas com SFC possuíam mais anticorpos contra o vírus do herpes que outros pacientes com o SFC. Uma observação curiosa que ele fez indicou que o nível de anticorpos contra o vírus do herpes que um participante possuía no início do tratamento era incapaz de predizer se o medicamento iria melhorar ou não a doença. A razão pela qual um medicamento antiviral era capaz de ajudar algumas pessoas acometidas pela SFC, mas não outras, não estava incluída na pesquisa e merece mais estudos.

O Prof. José Montoya tratou alguns pacientes com antibióticos, anti-inflamatórios, imunomoduladores e antivirais contra a SFC. No comunicado para a imprensa (disponível aqui), a Senhora parece, sobretudo, sugerir os seguintes tratamentos: prebióticos como fibras alimentares ou probióticos. Estes tratamentos parecem ser mais “leves”, a Senhora tem algum comentário a fazer? Em outros termos, por que não preferir utilizar antibióticos? Ou talvez a sua sugestão se refira com maior ênfase à prevenção da SFC, em detrimento do tratamento?
Eu não estou ciente de estudos publicados nos quais o Dr. Montoya tenha tratado pacientes com medicamentos distintos do valganciclovir, o medicamento antiviral contra o herpes. Seria preciso entrar em contato com ele para lhe perguntar se ele eventualmente realizou pesquisas com outros medicamentos. O primeiro autor do nosso estudo, Dr. Ludovic Giloteaux, não sugeria em nosso comunicado (Cornell press relase) que os pacientes com SFC deveriam tomar prebióticos, probióticos ou mudar de alimentação. Ele simplesmente salientou que futuras pesquisas poderiam revelar se, sim ou não, estas estratégias poderiam reduzir esta composição anormal de bactérias observada em pacientes afetados com a SFC. Saber se a administração de antibióticos poderia ajudar os pacientes acometidos pela SFC ou, ao contrário, agravar os sintomas não é algo estabelecido e, em função disso, o tratamento com antibióticos não pode ser recomendado sem estudos suplementares.

Em seu press release, a Senhora menciona que não sabemos ainda se o microbioma intestinal anormal é a causa ou antes a consequência da SFC, mas se imaginarmos que possa se tratar da causa, por que a Senhora acredita que este microbioma intestinal anormal possa provocar a SFC e, particularmente, a fadiga?
A SFC é igualmente conhecida pela denominação encefalomielite miálgica, um termo preferido pela maioria dos pacientes, pois ele evidencia os sintomas de dor e de uma função cerebral anormal vivenciada pela maior parte das vítimas da doença. Um número crescente de estudos indica que os micróbios intestinais podem influenciar o cérebro. Assim sendo, é possível que alguns sintomas desagradáveis da doença possam em parte resultar de um microbioma intestinal anormal.  Nossa pesquisa demonstrou que os pacientes com SFC, em média, têm mais lipopolissacarídeo bacteriano em seu sangue que o índice dos indivíduos sadios. A molécula lipopolissacarídea, um elemento da superfície externa de certas bactérias intestinais, tais como a E.coli, pode estimular uma reação do sistema imunológico que, potencialmente, é capaz de gerar determinados sintomas desta síndrome, vivenciados pelos pacientes.

Contudo, não podemos concluir que a dysbiosis intestinal (N.R.: desequilíbrio da flora intestinal ou do microbioma) é responsável por todos os sintomas desta síndrome. É perfeitamente possível que outra coisa seja completamente falsa, o que levaria o intestino a desenvolver uma dysbiosis, o que poderia em seguida exacerbar o problema subjacente.

É igualmente plausível que uma perturbação maior no corpo, se prevenida, possa resultar na normalização do microbioma intestinal e, posteriormente, em uma melhoria nos sintomas gastrointestinais apresentados por muitas das vítimas da síndrome. São necessários muito mais estudos a propósito desta doença extremamente pouco estudada, para se poder encontrar a sua causa e fazer com que tenhamos um tratamento eficaz para os milhões de pessoas cujas vidas foram gravemente afetadas.

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Foto do laboratório (Biotechnology Bldg.) da Universidade Cornell, em Ithaca, nos Estado de Nova Iorque

Entrevista original:

Acesse a entrevista original em nosso website em inglês: Creapharma.com, será possível encontrar links para as pesquisas mencionadas no transcorrer da entrevista

Principais lições:

– Os pesquisadores da Cornell University conseguiram identificar marcadores biológicos da SFC nas bactérias intestinais, assim como agentes microbianos inflamatórios no sangue. Mais precisamente, a composição bacteriana intestinal ou o microbioma dos participantes afetados pela Síndrome da fadiga crônica (SFS) era diferente comparativamente aos participantes da pesquisa com bom estado de saúde. Os cientistas observaram especialmente uma diminuição no número de espécies bacterianas.
– Trata-se de uma nova pesquisa que demonstra que a Síndrome da fadiga crônica não tem ou não teria origem psicológica.

Update : 29.03.2017. Em 29 de julho de 2016. Por Xavier Gruffat (Farmacêutico). Fontes: Press release da pesquisa e entrevista com a Professora Maureen R. Hanson, realizada por X. Gruffat via e-mail, redigido em inglês no início de julho de 2016.

Observação da redação: este artigo foi modificado em 20.05.2017

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