O canabidiol (CBD) e o tetraidrocanabinol (THC) são duas moléculas ativas presentes na cannabis. Elas têm atraído a curiosidade de pesquisadores por seus potenciais efeitos terapêuticos, especialmente como analgésicos. No entanto, esses dois componentes não parecem agir da mesma forma no organismo. O THC é reconhecido por seus efeitos psicoativos, responsáveis pela sensação de euforia provocada pela planta, enquanto o CBD está mais associado a efeitos terapêuticos sem causar o “high”, ou seja, uma intoxicação que pode alterar o estado mental. Mas como é a utilização do CBD e do THC como analgésicos, considerando que ainda existem incertezas e controvérsias?
O THC
O tetraidrocanabinol (THC) atua principalmente ligando-se aos receptores canabinoides no cérebro, especialmente os receptores CB1. Essa interação modifica a liberação de neurotransmissores e afeta várias funções cerebrais, como a percepção da dor, o humor e a memória. Devido a essas propriedades, o THC também é utilizado para aliviar a dor, estimular o apetite em pacientes com doenças como câncer ou HIV, e reduzir náuseas causadas por tratamentos de quimioterapia. O THC também pode ajudar a diminuir espasmos musculares em condições como a esclerose múltipla. No entanto, seu uso expõe o paciente a uma série de efeitos colaterais, incluindo problemas de memória, alterações na percepção e riscos de dependência. Por causa desses efeitos, o THC geralmente é usado sob supervisão médica em contextos específicos, e sua legalidade varia conforme as legislações locais.
Uma revisão sistemática avaliou a eficácia do THC no manejo da dor crônica e encontrou evidências substanciais apoiando seu uso. Um dos estudos que podemos citar nesse campo foi publicado no Journal of Pain and Symptom Management (DOI: 10.1016/j.jpain.2013.01.007)1, que demonstrou que o THC pode reduzir significativamente a dor neuropática. Os pesquisadores também observaram que os participantes tratados com THC apresentaram uma redução da dor em comparação com aqueles que receberam placebo. Os resultados mostraram que o THC tem efeitos analgésicos significativos e melhora a qualidade de vida dos pacientes, especialmente ao reduzir a dor e melhorar o sono.
O CBD
O canabidiol (CBD) é um dos muitos compostos canabinoides presentes na cannabis (Cannabis sativa), também conhecida como maconha. Ao contrário do tetraidrocanabinol (THC), o CBD não afeta o estado mental ou a percepção. Ele atua principalmente no sistema endocanabinoide, uma rede complexa de receptores e neurotransmissores presentes no corpo humano, que regula várias funções fisiológicas, incluindo o humor e a resposta ao estresse.
O CBD é conhecido por suas propriedades anti-inflamatórias, ansiolíticas e analgésicas. Ele é utilizado para aliviar várias condições, como ansiedade, dor crônica, epilepsia e alguns distúrbios neurológicos, como a esclerose múltipla. Também está sendo estudado por seus potenciais efeitos no tratamento da acne e de distúrbios do sono. O CBD age por meio dos receptores CB1, localizados principalmente no sistema nervoso central, e dos receptores CB2, presentes nos órgãos periféricos e nas células do sistema imunológico. Ao modificar a liberação de neurotransmissores e outras substâncias químicas, o CBD ajuda a acalmar o sistema nervoso central e a reduzir a inflamação e a ansiedade, fatores associados à dor.
Os efeitos colaterais do CBD são geralmente leves e podem incluir náuseas, fadiga ou alterações no apetite. Ao contrário do THC, o CBD não provoca euforia ou mudanças na percepção. Apesar de não possuir os efeitos psicoativos do THC, o CBD também foi estudado por suas propriedades analgésicas.
Um estudo descritivo sobre o uso de canabidiol (CBD) para aliviar a dor, publicado em 2023, mostrou uma redução da dor após o uso de CBD2.Entre os participantes que receberam tratamento para a dor, 53% relataram uma diminuição no uso de analgésicos após começarem a utilizar CBD. Além disso, nos cuidados paliativos, o cannabis e os canabinoides podem ser considerados como um tratamento adjuvante para dores relacionadas ao câncer quando opioides ou outros analgésicos estabelecidos são insuficientes, de acordo com o Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle3.Medicamentos à base de cannabis também podem ser considerados como uma terceira linha de tratamento para dores neuropáticas crônicas. De fato, alguns estudos, como o publicado na revista médica Current Pain and Headache Reports4, demonstraram evidências modestas de sua eficácia em dores neuropáticas, especialmente na neuropatia diabética, dor central e neuropatia associada ao HIV. Mais especificamente, existem evidências clínicas limitadas sobre o uso de cannabis medicinal e nabiximols, mas não de dronabinol ou nabilona, para dores neuropáticas crônicas.
Limitações e controvérsias
Embora os efeitos analgésicos do CBD e do THC sejam reconhecidos por alguns estudos, outras publicações ainda levantam dúvidas quanto ao uso farmacêutico desses compostos contra a dor. Um artigo publicado na Revue Médicale Suisse em junho de 20155 aponta uma eficácia limitada e um benefício clínico modesto em relação ao seu uso para dores crônicas. O artigo também destaca que o perfil de interações medicamentosas desses compostos ainda é pouco documentado, e que é necessário entender melhor os mecanismos subjacentes ao seu efeito analgésico. Assim, as evidências ainda são insuficientes para promover um medicamento específico à base de cannabis, já que não foram realizadas comparações diretas entre diferentes medicamentos à base de cannabis ou fitocanabinoides no tratamento da dor.
Referências e fontes:
– Journal of Pain and Symptom Management (DOI :10.1016/j.jpain.2013.01.007 )
– Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle (DOI : 10.1002/jcsm.12273)
– Revista médica Current Pain and Headache Reports (DOI: 10.1007/s11916-018-0658-8)
Pessoas responsáveis e envolvidas na elaboração deste artigo:
Seheno Harinjato (Redatora do Criasaude.com.br, responsável pelos infográficos).
Data da última atualização do artigo:
07.11.2024 (primeira publicação)
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Créditos dos infográficos: Pharmanetis Sàrl (Crisaude.com.br)
Bibliografia e referências científicas:
- Journal of Pain and Symptom Management Multicenter, double-blind, randomized, placebo-controlled, parallel-group study of the efficacy, safety, and tolerability of THC: CBD extract and THC extract in patients with intractable cancer-related pain.DOI: 10.1016/j.jpain.2013.01.007
- Pauline Garcia. La Consommation de cannabidiol (CBD) à visée antalgique : une étude descriptive. Médecine humaine et pathologie. 2023. (dumas-04614524)
- Mücke M, Weier M, Carter C, et al. Systematic review and meta-analysis of cannabinoids in palliative medicine.J Cachexia Sarcopenia Muscle.2018 ;9:220-34(DOI: 10.1002/jcsm.12273)
- Lee G, Grovey B, Furnish T, Wallace M. Medical Cannabis for Neuropathic Pain. Curr Pain Headache Rep. 2018;22:8.(DOI: 10.1007/s11916-018-0658-8)
- Cannabinoïdes médicaux dans les douleurs chroniques : aspects pharmacologiques. Kuntheavy Ing Lorenzini, Valérie Piguet, Pierre Dayer, Jules Desmeules, Barbara Broers, Patrice H. Lalive