Melhorar um quadro de depressão pode ser uma jornada desafiadora. Os medicamentos antidepressivos convencionais e a busca por aconselhamento psicológico costumam ser eficazes para muitas pessoas, mas algumas não encontram alívio adequado. Os sintomas podem persistir sem melhora significativa, ou mesmo quando melhoram, tendem a retornar com frequência. Essas são as características da depressão que não responde bem aos tratamentos convencionais, conhecida como depressão resistente ao tratamento (DRT).
Cerca de um terço dos quase 9 milhões de pessoas nos Estados Unidos tratadas para depressão a cada ano têm DRT1. Para ser considerada DRT, a pessoa tem que ter não respondido a pelo menos 2 tratamentos com medicamentos convencionais realizados adequadamente. O que pode significar anos de tratamento sem melhora. Em meio a esse cenário desafiador, surge uma nova esperança com o tratamento com a cetamina.
O que é a cetamina e como funciona?
A cetamina, utilizada como anestésico desde 1970, passou a ser pesquisada por sua capacidade de proporcionar alívio rápido e significativo nos sintomas depressivos a partir dos anos 2000 e teve a aprovação de órgãos regulatórios dos Estados Unidos (FDA) e União Europeia (EMA) em 2019. No Brasil a cetamina teve sua primeira autorização para tratamento de depressão resistente em 2020.
Seu mecanismo de ação difere dos antidepressivos convencionais como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina – ISRSs, atuando sobre os receptores NMDA no cérebro, modulando as vias neuronais relacionadas às emoções e gerando novas conexões.
Para quem a cetamina é indicada?
A cetamina é indicada no caso da depressão resistente, ao seja, quando a pessoa já passou por pelo menos 2 tratamentos feitos integralmente com os medicamentos convencionais, geralmente inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), e não teve melhora nos sintomas da depressão e/ou ideações suicidas.
Ela também está sendo utilizada em tratamentos de dor crônica, ansiedade e outras questões psiquiátricas mesmo sem estar autorizada para isso oficialmente, mas com embasamento de estudos clínicos preliminares (uso off label, que não consta na bula).
Benefícios
Os benefícios do tratamento com cetamina no caso da DRT são notáveis e rápidos.
Um estudo publicado em setembro de 2022 na revista científica Psychiatrist, demonstrou que metade dos pacientes tiveram uma melhora significativa após 6 semanas de tratamento e 70% após 10 semanas2. Além disso, os pacientes relatam melhora já nas primeiras aplicações de cetamina o que é bem diferente no caso dos ISRS que geralmente demoram meses para fazer efeito.
Como a cetamina é administrada?
A cetamina pode ser administrada de diversas formas, sendo a infusão intravenosa e a aplicação intranasal as mais comuns, mas também existem a administração subcutânea e intramuscular, a forma oral ainda sendo estudada3.
Atualmente o tratamento com cetamina só pode ser realizado em hospitais e clínicas de saúde com o monitoramento de um profissional de saúde, que utilizam escalas de avaliação específicas para rastrear as mudanças nos sintomas depressivos e ajustar o tratamento conforme necessário. Esta abordagem personalizada visa otimizar os benefícios e minimizar os riscos associados ao tratamento com cetamina.
As sessões de aplicação duram entre 40 e 60 minutos.
A escolha da forma de administração e o tempo de tratamento irá depender das necessidades individuais de cada pessoa em conjunto com as orientações do profissional de saúde.
Efeitos colaterais e riscos
Os efeitos colaterais mais comuns são confusão mental, sonhos ou delírios, aumento da pressão sanguínea ou dos batimentos cardíacos. Como trata-se de um anestésico, a sonolência está presente. As pessoas são recomendadas a não dirigir após a sessão de aplicação da cetamina.
A taquifilaxia, comprometimento cognitivo, dependência e problemas renais e urinários graves podem acontecer, mas são raros4.
Ainda são necessários mais estudos científicos de acompanhamento de pacientes por um período maior para determinar se o efeito e segurança deste tipo de tratamento se mantém a longo prazo.
O risco de abuso e dependência da cetamina são reais. A cetamina é utilizada de “forma recreativa” há décadas, devido ao seu efeito dissociativo. Em outubro de 2023, o ator Matthew Perry da minissérie Friends morreu devido aos “efeitos agudos da cetamina”, ele foi encontrado desacordado de barriga para baixo na piscina de sua casa. Perry, que lutava contra depressão e abuso de substâncias há anos, fazia tratamento com cetamina para depressão resistente, no entanto a concentração de cetamina encontrada em seu organismo não poderia ser da sessão que havia feito uma semana antes, segundo laudo da necropsia. Especialistas relatam que este é um caso isolado de abuso da substância fora do tratamento da depressão5.
Quem não deve usar
A cetamina é contraindicada em casos de hipersensibilidade conhecida a cetamina ou a qualquer outro componente de sua fórmula, hipertensão, história de acidente vascular cerebral e pacientes com insuficiência cardíaca grave6.
Perspectivas futuras
A cetamina também tem um grande potencial para tratamento não só da depressão resistente, mas também para outras doenças psiquiátricas e questões neurológicas, como ansiedade, dor crônica e epilepsia. Porém devemos ter atenção tanto ao seu potencial de abuso como para novas pesquisas de eficácia e segurança a longo prazo.
Redação
Adriana Sumi (farmacêutica)